sexta-feira

"SEGUINTE!!!"


"SEGUINTE!!!" – ouvi eu, ainda na rua, à espera de entrar na tabacaria onde ia registar o EuroMilhões; como sempre, atrasado, numa sexta-feira à tarde (ao fim da tarde), com o cansaço, não da semana mas de todo o mês, a pesar-me nos ombros como em poucas sextas-feiras nos últimos meses o senti. "SEGUINTE!!!" – dizia (berrava!) a voz feminina no interior do estabelecimento, fazendo com que as pessoas da longa fila (atrasadas, como eu, para registar o EuroMilhões e não só) se fossem aproximando, à vez, do minúsculo balcão. "SEGUINTE!!!" – e, de repente, já estava dentro da pequena loja de jornais, revistas, totolotarias, chapéus de chuva, artigos para o lar, pastilhas e gomas doces, bibelot's, material escolar, dvd's, cadernetas de cromos, linhas de crochés, passes sociais, mapas das estradas e tudo o mais em que se possa pensar e não se imagine encontrar numa tabacaria de esquina numa aldeia da periferia de Lisboa. "SEGUINTE!!!" – insistia a mulher, interrompendo o meu tão querido hábito de observar tudo o que me rodeia, que nesta sexta-feira me ajudava também a abstrair-me do muito em que tenho de pensar. Ainda assim, uma nova olhadela em volta fez-me lembrar que uma revista semanal trazia um livro que poderia ser interessante para dar a... "SEGUINTE!!!". "Voz irritante, esta!" – pensei eu, olhando finalmente para o balcão para ver quem a produzia. Do outro lado, uma senhora com ar atarefadíssimo tentava dar vazão aos pedidos de passes L123 e do "raio dos Totolotos!" (como ia resmungando, entre dentes, o meu "colega" da frente na fila, claramente agastado porque só queria pagar o jornal). "SEGUINTE!!!" – e já só faltava duas pessoas serem atendidas para que pudesse fazer o que tinha a fazer e que, entretanto, já não era só registar - ainda que às últimas - o EuroMilhões, mas sim também pagar a revista com o livro de oferta para dar a... "SEGUINTE!!!" - e a senhora "corria" de um lado para outro do balcão, como se fosse possível em pouco mais de um metro quadrado de espaço, por entre a imensa parafernália à venda no estabelecimento, parando só para dar atenção ao senhor mal humorado que, à minha frente, se queixava de haver uma fila única para os clientes "normais" e os do "raio dos Totolotos!" - insistia ele - não entendendo que a discussão (inútil) só o atrasava a ele mais e a todos os outros que para trás (na tal fila única) estavam e esperavam e desesperavam. Enfim...! O senhor lá pagou o jornal, a senhora respirou fundo, eu cheguei-me ao balcão, ela olhou para mim. Cerca de 50 centímetros (de balcão) nos separavam, ela sabia que eu estava mesmo ali e mesmo assim abriu a boca e berrou a plenos pulmões "SEGUINTE!!!". Eu olhei-a com estranheza (e com uma certa dor no ouvido direito, que era o que mais perto dela estava no momento), como que tentando perceber por que raio tinha ela berrado por mim, sabendo perfeitamente que não precisava. Ela não se descoseu. Abriu a mão, à espera do boletim do EuroMilhões que acabei por lhe dar. Fez a operação em menos de nada, pediu-me o dinheiro, nem sequer reparou que tinha a revista também para pagar. Fez um ar enfadado ao perceber que tinha mesmo de fazer a conta na registadora. Fez. Pediu-me o dinheiro do total, dei-lhe uma nota de 20, ela fez um ar enfadado ao perceber que ia ter de fazer troco com muitas moedas e notas pequenas. Fez. Finda a operação, despachou-me e afastou-me para um dos lados do balcão. Eu virei costas, para o meu lugar foi uma jovem também já de boletim em punho. A senhora olhou para ela, sabia bem que estava mesmo ali à sua frente, mesmo assim abriu a boca e berrou a plenos pulmões "SEGUINTE!!!". O que se passou a seguir não sei. Só sei que, na rua, já do outro lado da estrada voltei a ouvir "SEGUINTE!!!" e, antes de chegar ao carro, "SEGUINTE!!!", outra vez. Presumo que não volto tão depressa àquela tabacaria. Pelo menos, não à sexta-feira, não com o EuroMilhões em atraso, não quando o cansaço me pesa particularmente nos ombros. Vou, por isso, a procura da tabacaria "SEGUINTE!!!". Só por via das dúvidas.

quinta-feira

InSenso Comum


Na vida, há dias em que sentimos que temos de fazer alguma coisa em prol das coisas que nos são mais queridas. Ajudar um amigo, terminar com o seu sofrimento, mesmo que isso mude de forma definitiva a nossa própria vida, é uma das coisas que – por muito que custe – não deve esperar nem mais um minuto, quando achamos que chegou a hora de a fazer. Nesse sentido, chegou a hora de fazer algo acerca do meu outro blog, o InSenso Comum. Para mim, muito mais do que um blog desde o seu início, tenho de o confessar. Um projecto, de início. Um poço de criatividade que nunca julguei ter, depois. Uma frustração, por vezes. Uma grande satisfação, quase sempre. Um sofrimento, nos últimos tempos. Numa palavra (estranha, aplicada a um ser inanimado, virtual, nunca palpável e visível apenas num ecrã de computador)… um amigo. O InSenso sofre por minha causa, acima de tudo. Por sentir que não estou a conseguir dar-lhe a acutilância que já teve, o interesse que já teve, a graça que já teve, enfim… o “je ne sais quoi” que já teve e que hoje não tem. Deve ter uma outra vida, o InSenso Comum, acho eu. Uma vida melhor. Ou então um descanso eterno em paz, como todos os bons amigos merecem, findo o seu ciclo por “cá”. Farei o que o leitor do blog achar que é melhor, tendo em atenção (obviamente) também aquilo que eu próprio acho que ele merece. Dessa equação (como de todas, acho eu – mas percebo pouco de Matemática) sairá um resultado que será o futuro do InSenso Comum. Logo se verá o que acontece. Neste momento, sofro pessoalmente com a dúvida. Mais tarde, talvez sofra com a decisão final. Mas será sempre melhor para o blog que se faça alguma coisa e não se permita que caia numa lenta morte, da qual – repito – sinto ser o maior de todos os culpados. E, por isso, aqui fica (a todos mas principalmente ao meu… amigo) o meu mais sincero pedido de desculpas.

segunda-feira

J & Nina: as infinitas diferenças


Agora que o J regressou a casa, percebo que uma das minhas expectativas em relação à estadia dele durante cerca de um mês na casa dos meus pais não se confirmou (não até agora, pelo menos). O gato não está assim tão diferente. Muito embora lá em casa dos meus pais estivesse, de facto, com um comportamento bastante desigual daquele a que estava habituado; bem comportado, calmo, meigo e até tolerante às festas que a malta lhe fazia. Acho que ele compensou dessa forma os meus pais pelo dia em que se precipitou pela janela do 3º andar, caindo (de pé e inteiro – lá se foram mais uma ou duas vidas) no asfalto lá em baixo para depois andar à bulha com outros gatos e refugiar-se durante um dia inteiro numa velha e exígua caixa de madeira, cheio de medo, o que obrigou a uma complicadíssima “operação de resgate” que demorou (e foi fisicamente dolorosa) ao meu pai. Foi a chamada polvorosa felina. Tudo isto (a queda, a bulha, o esconderijo) fruto do medo que um gato “caseiro” revela por tudo e por nada o que lhe é estranho. O J é (diametralmente) diferente na Nina por causa disso mesmo. Ela é uma gata de rua, habituada a todos os perigos (não sabemos quantas vidas ainda terá), preparada para os ataques dos outros gatos e uma sobrevivente longe de quatro paredes que a enclausurem de alguma forma. Talvez, para ela, uma velha e exígua caixa de madeira seja só um local onde passa uma noite que deseja mais calma do que as outras, na maior das descontracções. Como vive no campo, dificilmente corre o risco de cair de vários andares de altura e como a linha de comboio está logo ali ao lado, não há barulho (esse ou outro qualquer) que a assuste, mesmo que muito ruidoso. Só a vemos uma vez “por festa” e durante semanas questionamo-nos se estará bem e se voltaremos a vê-la para vir pegar a comida que lhe vamos deixar. Um só está bem em casa, o outro (no caso, a outra) só estará bem na rua. São infinitamente diferentes mas uma coisa é certa; têm algo em comum: gostamos deles pelo que são e têm o nosso carinho mais do que garantido.

quarta-feira

The Moon Over Porto Salvo – II

(ou “Voltei a Casa”)


Cheguei há pouco. Ainda era de dia em Portugal mas o relógio já impunha que se dissesse “São 9 da noite”, mesmo que o sol se tivesse acabado de pôr, ainda o avião se preparava para aterrar na Portela (já agora, ver o pôr-do-sol à janela de um AirBus tem a sua piada). O ar fresco que senti logo que pus o pé em terra fez-me pensar que há coisas que estão, claramente, ao contrário neste mundo. Cheguei à Holanda com temperaturas a rondar os 32º (muito acima da média holandesa para esta altura do ano) ao que se seguiram cerca de 10 dias de chuva intensa (o que também não é usual em Junho, até na Holanda); chegado cá, depois de um dia em que a caloraça voltou aos Países Baixos, a temperatura em Lisboa era de 15º e eu pensei “Então, pá?!? Mas aterrei em Lisboa ou voltei para Amesterdão?!? Lá é que devia estar este friozinho!!...“. Sim… conversinha sobre o tempo, só para “encher”… para não dizer que estou algo triste por ter voltado, por já ter algumas saudades daquilo, por não ter feito tudo aquilo a que me tinha proposto (essa decisão não coube a mim) mas acima de tudo por me sentir frustrado por ter estado durante uma semana apenas a 40km da minha terra natal e de lá não ter ido… por falta de tempo. Passavam 25 anos desde a minha última passagem por Rhein e, com DeLutte ali tão perto, não pude dar um pulinho da Holanda até à Alemanha, só para ver se dava com a minha antiga casa, com o parque ao fundo da rua, com o Märchenwald que tanto quero voltar a visitar… Às vezes – apesar de amar o que faço – penso “Que merda de profissão a minha, que me impede de ter uma vida minimamente normal!” mas olha… paciência. Hei-de lá voltar, sim. Muito brevemente, acredito. Nem que vá lá de propósito, só para regressar às memórias de infância e depois voltar de novo para Portugal e seguir a minha vida, como sempre. Voltar tem, no entanto, coisas boas. Matar saudades, acima de tudo. Das pessoas de quem gostamos, dos sítios que são “nossos”, da comida que não se faz em mais lugar nenhum do mundo senão cá (muito embora a minha 1ª refeição tenha sido… Corn Flakes!… o tão lembrado Bacalhau Grelhado com Batata “a murro” não deve tardar muito),… de tudo. Voltei a casa na companhia da mesma lua que me viu passar a noite em claro quando parti para a Holanda. Um Quarto Crescente lindo, num céu limpinho e ainda umas réstias de horizonte alaranjado, a recordar-me do país que foi a minha “casa” durante 19 dias e a dizer-me que amanhã vai haver mais sol português a queimar-me a pele. Que bom! Que mais podia eu desejar neste regresso a Portugal? Estou de volta. Foi giro viver e trabalhar na Holanda. Adorei o país e – tanto pessoalmente como profissionalmente – aprendi muito nestes dias. Mas voltar a casa é sempre voltar a casa. Agora falta o gato… e o resto, para que possa dizer (gosto mais da expressão em inglês, peço desculpa) “Home, Sweet Home!”.

A diferença que faz... dormir.


Quem ainda tiver dúvidas acerca das qualidades terapêuticas dessa grande invenção que é o adormecimento do corpo para regeneração das capacidades do mesmo, que as perca. Apesar das más línguas que insistem em dizer que "Dormir é para os fracos!" ou que "Tenho tempo para dormir quando morrer!", a verdade é que parar tudo e só voltar à actividade mental e física umas boas 10 a 12 horas depois só faz é bem. Agora... que venha mais um dia! Siga!...

terça-feira

A 2500km de Casa


A 2500km de casa, num dia em que algo de muito importante e delicado aconteceu em Portugal sem que nada se pudesse fazer a pelo menos duas horas e meia de avião de distância, em que (já depois da meia noite - neste dia, portanto) o corpo se deitou cheio de problemas físicos e cheio de problemas físicos se levantou pela manhã com muito esforço, há 12 dias fora de casa e do país – e, já agora, sem folgas –, em que o primeiro erro de navegação quase custou o primeiro atraso (o que acabou por não acontecer), em que tudo parece ainda acontecer de modo a que o corpo (ainda com problemas) não se possa deitar mais cedo do que habitualmente, como merece e vem “pedindo”… sob todas estas condições, tudo se potencia e qualquer coisa que se me diga agora é penoso de ouvir, difícil de assimilar e muito complicado de evitar que seja respondido com um vigoroso “Vão todos para a mãezinha que vos pariu!”. A constatação vale o que vale. Nada, provavelmente. Não sou de “explodir” de forma tão dramática. Quando “expludo”, faço-o de forma tanto quanto possível controlada. Hoje nem isso me apetece controlar. No mesmo computador em que escrevo estas linhas, Bublé canta “…I wanna go home…”. Por acaso, não é bem isso que sinto. Gosto disto aqui, gosto do que estou a fazer e sei que estou a fazê-lo bem, embora pressinta que essa não seja uma opinião generalizada. Quero ficar… até ao fim, até ao lavar dos cestos (sem bem que essa expressão nem sequer exista por cá), até ao ponto a que me propus aqui ficar, fazendo aquilo a que me propus fazer. Espero que, ao contrário de hoje, tudo se alinhe nessa direcção. Caso contrário, o que sempre desejei ser uma experiência única e de grande gozo corre o risco de assim ter começado mas de se ter tornado mais em algo penoso do que em algo de verdadeiramente positivo e memorável. Espero. Farei a minha parte para que seja possível. Mas não depende só de mim. No que depende de mim, vou tentar não mandar ninguém para a progenitora que os trouxe ao mundo. É o máximo que eu posso prometer neste momento, a 2500km de casa, há 12 dias fora de casa e do país – e sem folgas –, num dia em que algo de muito importante e delicado aconteceu em Portugal e em que o corpo dorido pede – merecidamente – descanso.


PS: Tenho saudades do meu gato… vá lá imaginar-se…!

domingo

Nervos...


Ao fim de 10 dias aqui na Holanda, decidi escrever aqui um "petit rien" do que me vai na alma. Por quê? Porque é chegado o dia para o qual tenho vindo a trabalhar há já vários meses. É a minha maior ''empreitada" de sempre de trabalho, nisto que faco agora (e que adoro). Hoje há nervos. Por quê? Nao sei bem. Acho que e um misto de excitacao por estar aqui com tremideira pelo bem que quero fazer no meu trabalho. Estou numa sala cheia de profissionais de várias nacionalidades (o que me honra particularmente), a espera de que chegue o momento em que tudo comece. Há nervos. Uns bons outros menos bons, certamente, mas nao maus, acredito. Comeca daqui a pouco aquilo que (para mim) comecou há cerca de seis meses. Espero que corra bem. Os nervos... esses... vou usá-los para estar mais atento evitando que os erros sucedam. Nao sei como se diz "Boa Sorte" em Holandes (se calhar, ja devia ter aprendido) mas espero que ela apareca na mesma.
PS: ... e espero que hoje seja... Dia de Portugal.

sexta-feira

The Moon Over Porto Salvo


Parto daqui a pouco (sim… devia estar a dormir antes de um voo e de uma longa viagem de trabalho mas só agora acabei de preparar tudo e dormir uma hora agora parece-me descabido) para a Holanda, onde me espera o meu maior desafio profissional de sempre. Curiosamente, não me sinto nada nervoso (se calhar só vou sentir isso quando pisar território holandês… não sei…). Só cansado. Muito. Porque o último mês foi tão desgastante quanto antevejo seja este também. O que me leva a pensar que parto claramente em desvantagem em relação ao “adversário” (o meu trabalho) mas com a perfeita noção de que para conseguir vencer o desafio terei de me superar ainda mais e, assim, provar o que ainda eventualmente não tenha provado. Na mala levo muita roupa, alguns gadjets necessários ao ofício e vontade de logo que possível voltar a ver o sorriso de PimPim, a minha sobrinha, cujas últimas palavras que me disse ao telefone demonstram a desconcertante e engraçada inocência dos miúdos “Tio… no avião grande vai devagar… senão… cais!”. He He! A frase aplica-se à simples caminhada do dia-a-dia, obviamente, mas ela está agora na fase de fazer as primeiras frases mais complexas, com uma ideia dali e outra dacolá… e dá nisto. Claramente, ela não sabe que falar em quedas pouco antes de se entrar num avião não é propriamente a melhor maneira de se desejar uma Boa Viagem seja a quem for… mas eu não me importo! Logo que possa, quero é satisfazer o desejo dela que não consegui cumprir há dias, quando lá estive. Dormir lá em casa significa que é ela quem me acorda – com o irmão mais novo meio atordoado do sono mas a segui-la (como sempre faz) aos tombos – para que eu brinque com ela logo desde as 8 da manhã. É duro, mas em bom. E se ela pediu muito…! E quero fazer-lhe a vontade, claro! Até porque o mimo que ganho vale bem a pena. O Guigo está adoentado e passou a constipação à irmã. Pequenos resfriados que não os impedem de ver o tio às horas que ele ainda lhes vai dizer para estarem atentos. É algo que me conforta, mesmo a mais de 2000 km, saber que beijos virão na minha direcção enquanto faço o meu trabalho. Poucos poderão gabar-se disso, certo? Por fim, a última imagem que levarei de Portugal. A lua, cheia e brilhante como é mais bonita, a pairar sobre Porto Salvo, terra onde deveria ter dormido… mas não dormi. Quando sair de casa – daqui a cerca de uma hora – ainda estará por lá, certamente. Ainda bem. A ela confio a tarefa de olhar por quem mais gosto e a ela confidencio que quero regressar “maior” e melhor do que sou hoje. Talvez seja possível.