sexta-feira

Lin


Não sei o nome dela mas posso chamar-lhe Lin, para conveniência deste pequeno texto. Chama a atenção de quem entra na loja mesmo antes de se passar a ombreira da porta porque articula com uma dicção curiosa um “Bôua Tááde!” simpático e claramente ensaiado para bem receber os clientes que logo a seguir hão-de procurar uma qualquer bugiganga ou objecto útil a bom preço. Ao lado dela, junto à caixa, uma senhora mais velha, também de olhos rasgados, também saúda quem entra, mas com ar bem mais sisudo e preocupado com o que as pessoas que deambulam pela loja fazem, o que vêem e se alguma coisa sai da loja sem ser pago. Lin não parece ter essa preocupação. Olha entusiasmada para um livro infantil português, de cores chamativas e bonecos sorridentes. Por momentos, deixo de a ver, porque as canetas de feltro que procuro estão no corredor mais ao fundo da loja… mas ouço-a. Lê cuidadosamente as letras que tem pela frente. Letras ocidentais que formam palavras que falam de um urso numa floresta encantada e de uma menina que com ele faz amizade. É audível o esforço que faz para que cada fonema seja dito impecavelmente, num Português praticamente sem mácula. Lin terá 7… 8 anos, não mais, de certeza. Fala com a “companheira” de caixa em Mandarim, como que descrevendo a história de amizade das personagens do livro que lê e regressa à leitura, cuidada, do mesmo em Português. À saída, com o dinheiro na mão para pagar, não consigo evitar falar com a pequena Lin para lhe dizer “Lês muito bem! Parabéns!”. Sem querer, provoco uma manifestação de embaraço. Lin olha para o chão e não reage ao elogio. Pelo contrário, a senhora mais velha aceita-o como se fosse para ela e, com um rasgado sorriso de orgulho, agradece, olhando para a menina ainda cabisbaixa de vergonha. Acho piada ao embaraço mas fico algo desiludido porque não era essa a minha intenção. Pago. Saio. Já na rua, oiço-a de novo, em voz bem alta: “Sinhô!! Bôua Tááde!!”. Olho para trás. Ela sorri e acena. Ganhei o dia. Com um sorriso asiático… em bom Português.

1 comentário:

Maria João Carvalho disse...

Está tão lindo, primo!!! Simples, verdadeiro, ternurento... quero mais...infinitamente.