sábado

Cegueira voluntária

Na lufa-lufa das compras de Natal, com vários sacos já na mão, entrei numa loja de chocolates de um centro comercial da cidade em busca de mais uma prenda para a família. Para não variar, havia fila desde a porta até ao balcão-vitrina, onde inevitavelmente os olhos de todos os clientes "repousavam", enquanto se esperava para ouvir da boca da responsável da loja as palavras "Quem está a seguir, por favor? O que é que vai desejar?".
A espera não foi longa por aí além, mas sempre esperei uns minutinhos, que na verdade até não custaram nada a passar, já que - em hora (quase) de almoço - decidi encarar a "doce" visão da vitrina como um alimento para o espírito... que é como quem diz «ok... tens de esperar... ao menos que seja num sítio assim, cheio de guloseimas!...». Havia sorrisos e conversa de circunstância entre os clientes; acerca da quadra, dos enfeites, das prendas, até dos filmes em cartaz... mas, de repente, tudo mudou.
A porta da loja abriu de novo, desta vez empurrada por uma mulher de aparência (vulgo) marroquina, que rapidamente se dirigiu, de mão estendida, para a senhora do balcão.
«Não! Já lhe disse que não pode pedir aqui!»
Caiu um silêncio sepulcral na loja. E, com ele, os olhos de todos os clientes ao chão.
Em poucos segundos, a mulher que tinha chamado a atenção de quem estava na loja tinha-se tornado "invisível", apesar de ela insistir no pedido, de mão estendida.
Fez-me confusão a reacção de todos nós - incluindo a minha, claro. Unanimemente, decidimos ignorar a mulher. Sem qualquer combinação. Simplesmente, todos fizémos o mesmo. Esvaziámos o olhar, calámo-nos e... mais nada.
Fiz o meu pedido, paguei, saí e voltei a não olhar para a mulher que se mantinha junto à porta. Que confusão!... Era véspera de Natal... Toda a gente fala de caridade e amor ao próximo... e o que fizémos nós? Nada. Simplesmente fingimos que aquela mulher não existia. Talvez falte juntar a palavra "respeito" ao rol de princípios que o tão apregoado espírito natalício deve abarcar.
Até hoje ainda sinto a vergonha de me ter comportado assim, naquele momento. Mas é Ano Novo; altura para fazer os votos para os 365 dias que aí vêm. O primeiro já está "registado".

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