sexta-feira

Três Pequenas Histórias no Feminino

O carrinho das compras não está cheio mas move-se devagar pelo corredor. As forças para empurrá-lo não são muitas, de facto, e as dores também não ajudam. O pé, metido meio à força no sapato de salto alto, já mostra o inchaço e a veia, escura, saliente. Na cara, a pintura exagerada não consegue esconder a última “costura” que o doutor amigo (mesmo que com todo o cuidado para não se notar) lhe deixou junto à orelha. É o preço a pagar por mais um retoque feito. E mesmo assim, as rugas vêem-se. Só ela é que, de manhã, achou que já era hora de mostrar ao mundo o esplendor dos seus setenta e tal anos tão bem disfarçados. Mas cedo percebeu que, afinal, ainda não era a hora… e que, afinal, também já não é mais tempo de enganar o rumo do tempo. A dado momento, para ela, pensou… Mas por que achei que seria boa ideia de vir hoje ao hipermercado?!?

Ele pediu muito e ela, mais uma vez, acedeu. Ela nunca percebeu muito bem porque é que ele gosta tanto de estar com ela de noite nos locais mais escuros que se possa imaginar. Vãos de escada, garagens e portas de prédios são, pelos vistos, os locais predilectos dele. Não os dela, de certeza. Se fosse ela a escolher, escolheria um miradouro com luz e vista sobre a cidade ou algo do género. Uma porta de prédio não tem nada de romântico. Mais a mais, ele aproveita estes momentos “íntimos” (sempre com gente ou carros a passar) para dar largas à exploração do corpo dela. Hoje, no escurinho da entrada do Lote 25, lá está a mão dele já muito acima da cintura dela outra vez. De repente, a luz do hall acende-se. Os amantes são surpreendidos. Quem sai, nada diz. Mas quem entra, uns minutos depois, mesmo não olhando, cumprimenta-os com um apagado e desconfortável boa noite. Depois mais outra pessoa e depois mais outra, até que alguém os manda dali para fora, ameaçando com a chamada da Polícia. Acabam sempre assim os encontros amorosos destes dois. Desta vez, ela pensou, para ela… Mas por que raio ainda gosto eu deste tipo?!?

Trinta e sete anos, camisola do Benfica, cabelo muito curto “carregado” de gel, brinco na orelha direita (na outra, nada – nem furo), fio de ouro (grosso) à vista, peito grande disfarçado em vão, calça de ganga tamanho quarenta e oito, bota escura de biqueira de aço, mão agarrada às grades de um portão de uma escola secundária da periferia da cidade grande. Quase toda a semana, de segunda a sexta, por volta da hora de almoço. Do lado de dentro da escola, um miúdo de quinze ou dezasseis anos dá-lhe conversa. Falam ali um bocado, à vista de todos, com a funcionária escolar claramente incomodada com aquele diálogo, que não ouve mas se repete quase diariamente. De há uns tempos para cá, em alguns dias a PSP começou a ficar para lá das horas que antes ficava. Primeiro, só em alguns dias; agora também de segunda a sexta. Desde que notou a presença dos agentes, eles nada lhe fizeram, nada lhe disseram… e, por norma, até fingem que não vêem. Mas estão ali e dantes não estavam. Ao fim de dois meses, uma mulher bonita e fardada saiu do carro policial para lhe perguntar o nome e o que fazia ali, agarrada às grades de um portão de escola. Quase nem a ouviu. Reparou no cabelo atado, na cor dos olhos, em como ficava bem de farda e pensou, para ela… Mas por que achei eu que podia esquecer quem sou com uma paixoneta por um miúdo de quinze anos?!?

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