segunda-feira

Dinamarca


Chegar a um território estranho com a notícia da morte de um colega de profissão não é, de todo, a melhor forma de iniciar uma jornada de trabalho intenso e com muitas coisas novas para descobrir, aprender e fazer (tudo isto simultaneamente e sem grande tempo para pensar). Aconteceu, mal o avião aterrou em Malmö, na Suécia (mesmo antes de um autocarro nos levar até Copenhaga, uma ponte e alguns – poucos – quilómetros mais “à frente”). A notícia chegou via telemóvel, via roaming, via voz rouca e trémula – acredito – de um coordenador de informação desportiva para um seu colaborador, enviado ao mesmo trabalho que eu, e escureceu uma manhã clara, solarenga e surpreendentemente quente para a Escandinávia. Ouviu-se, calou-se, chorou-se e seguiu-se com o programa do dia, que havia muito para fazer. De Alcochete para Lisboa… perdão… da Suécia para a Dinamarca vai uma ponte de distância. 14km, diz a guia. Parece menos… mas tudo bem. Sabe é lindamente ver o verde da outra margem. Aquele verde de novo…! O mesmo que eu via nos campos germânicos na mais tenra das tenras idades e que sempre me chamou para regressar ao norte da Europa logo que possível. Foi-o agora… 25 anos depois, mas o fascínio - apesar de ir em trabalho - é exactamente o mesmo dos tempos de miúdo. Copenhaga. Bicicletas. Muitas bicicletas. Todas com prioridade sobre tudo e todos nas ruas da cidade, dividida entre o velho e o novo, entre o conservador e o ousado, entre o sóbrio cinza-escuro e o colorido das cores mais berrantes. Belíssima a cidade que cheira às salsichas cozidas e grelhadas nas roulottes espalhadas pelas ruas, em que não se ouvem buzinas de carros (não há engarrafamentos nem acidentes de viação) nem gente a falar alto ou a insultar seja quem for. Andar pelas calçadas é um prazer… já esperar todo aquele tempo no semáforo dos peões até que fique verde é uma chatice imensa. É que, para nós, “portugas” habituados a desrespeitar o sinal sempre que não passam veículos que nos levem à frente, é simplesmente incompreensível esperar tão pacientemente que o verde “caia”, mesmo que nem um carro tenha passado por ali… mas é esse o preço do zelo nórdico, ao qual também é necessário fazer a devida vénia e dar nota 20 pela lição de civismo. As pessoas primam por uma simpatia não muito expansiva e por um desconcertante descomplexo em tudo o que fazem na rua. Fala-se ao telemóvel, escrevem-se SMS’s e bebe-se cerveja enquanto se guia uma bicicleta, sob o sol da praça principal, sobem-se as saias e descem-se as alças das blusas para aproveitar o bronzeado extra que nunca virá mas que se tenta apanhar… assim… na boa. O inglês parece quase língua-mãe (embora acredite que Hans Christian Andersen não achasse grande piada a isso) e o calor que senti durante a minha estada sei que não vai continuar por muito e que o longo Inverno começa daqui a dias. Que pena não estar lá para ver o meu nariz ficar vermelho e o vapor da respiração me sair pela boca… mas um dia lá voltarei, para visitar a cidade e vê-la com os olhos de ver com que agora não pude e da única forma que aceito fazê-lo: de bicicleta, claro. Sim, o trabalho correu (relativamente) bem. Aprendi muito e valorizo a experiência como capital adquirido para um futuro pessoal e profissional melhor. Quanto ao colega que finou, lembro-me dele sempre que me lembro da Dinamarca. Que mais não seja, a morte dele possibilitou-me perceber que sou afortunado por ter estado ali, por ter visto, ouvido e sentido tudo como senti. Obrigado, João. Este texto é para ti.

1 comentário:

Maria disse...

A vida é uma viagem. Uma passagem para o futuro com uma ponte com o passado. O João esteve contigo na Dinamarca.