sexta-feira

...mirror, mirror... on my car...

Já lá vai um tempo, mas nunca mais deixei de pensar nesse episódio. Saí do trabalho, já era escuro (ainda era Inverno) e chovia, ora forte, ora aquela chuva miudinha. Era à vez. O dia tinha corrido particularmente mal, embora não fosse um daqueles que julgamos nunca mais esquecer como sendo o exemplo de uma "dia maldito". Não. Foi só mais um dia mau.
No trajecto para casa, no carro, lembro-me de ir com a cabeça apoiada e de parar num semáforo. Acho que foi institivo, olhar pelo espelho retrovisor... não sei. Olhei e vi - ainda que iluminadas em tons de vermelho, por causa dos meus "stop's" - duas caras. Uma de um homem, outra de uma mulher. Estavam a olhar para lados opostos. O homem, ao volante, olhava para o que se passava (nada...) fora da sua janela. A mulher fazia o mesmo, para o lado direito. Estavam - acho eu - em silêncio. Quero dizer... estavam calados. Não sei se o rádio estava ligado, se havia outro qualquer som no interior daquele carro... só sei que aqueles dois, claramente, não estavam a comunicar entre si.
Não pude evitar pensar que aquelas duas pessoas mantinham uma relação, mesmo que só "oficialmente". Marido e mulher... parentes... conhecidos... sei lá.... se calhar até eram só duas pessoas que estavam a partilhar uma boleia. Só sei que a imagem dos olhos que fugiam para "cantos opostos do ringue" me perturbou. Estariam zangados? Aborrecidos? Vazios? Sem assunto? Porquê? Quem seriam eles... um para o outro? Por que razão estariam eles, com cara de enfado, a olhar para onde nada acontecia a não ser a queda de uns pingos de chuva (daquela que "molha tolos"...)?
Fixei-me na ideia "marido-mulher". Achei que era o mais lógico. Vi-os assim. Como esposa e esposo, partes integrantes de um casal disfuncional, que não comunica, nem ao fim do dia de trabalho, quando se vêem pela 1ª vez antes de ir para casa partilhar a mesa em que se a família se reúne (ou não...) e a cama em que dormem. Que estranho...! Por que seria que não havia palavra ali?...
O verde "caiu". Os carros à minha frente e ao meu lado andaram e o homem que eu olhava pelo espelho apitou-me, com ar de quem não estava para aturar a minha distração. Arranquei finalmente. O carro (e o casal)... não vi mais. Mas sei que arrancaram também, claro. Na última imagem que guardo, ele conduzia olhando em frente e ela ainda olhava para o lado, como se fosse a mesma coisa o carro estar em movimento ou parado. Continuei o meu caminho mas não deixei de pensar no que tinha "visto" (ou imaginado... não sei bem...). Eu "vi" um casal disfuncional, sem nada para dar um ao outro. Mas... que será que vêem os outros quando, num semáforo ou num STOP, - sem que eu perceba - me vêem a mim, pelos espelhos ou janelas dos carros deles...?

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