Desta vez, não o meu gato. Um gato de rua, da minha rua, com que me cruzei, talvez, uma mão cheia de vezes, não muitas. De pêlo castanho acizentado. Bonito. Muito calmo e simpático, nunca fugiu quando me aproximei dele, ao contrário da esmagadora maioria dos gatos. A penúltima vez que me cruzei com ele foi esta manhã. Estava deitado nos degraus de uma escada de acesso ao prédio onde moro. Estranhei vê-lo ali, tão sujo e - acima de tudo - com uma expressão de cansaço que nunca lhe tinha visto. Esboçou um tímido movimento de fuga, por causa do susto de me ter visto de repente, mas não saiu do sítio. A minha pressa para chegar a horas ao trabalho fez-me deixá-lo ali, no degrau, de onde não se moveu. Fiquei com a nítida sensação de que seria a última vez que o veria, embora esperasse que assim não fosse. Não foi, de facto. Mas...! A última vez, na verdade, foi há poucos momentos, quando regressei a casa, depois do trabalho. Tarde de mais. O gato de rua, da minha rua, com que me cruzei, talvez, uma mão cheia de vezes, não muitas, morreu. Não no degrau onde o vi às primeiras horas da manhã, mas poucos metros mais acima. A mesma expressão de cansaço. Nem uma ferida, nada de sangue. Creio ter sido envenenado. Que crueldade... Sei (sinto) que podia ter feito mais esta manhã. Mas...! Não fiz. Já não posso voltar atrás. Nem um último conforto lhe pude dar, já que, quando estacionei o carro, um vizinho meu pegou no animal e levou-o para longe do passeio onde ficou. Doeu-me a alma como já não doía há muito. Não posso e não pude fazer nada pelo gato da minha rua. Fiz, faço e vou fazer, então, pelo meu gato de casa. Estou muito pouco tempo com ele. Tenho de sair de novo daqui a pouco. Mas não sem antes "perder tempo" com ele. Veio deitar-se, pachorrento, em cima das minhas pernas, enquanto escrevo este texto. Parece que adivinha... Preciso de comer qualquer coisa. Mas vou deixá-lo estar aqui mais um bocado. Como mais daqui a pouco. Não vou negligenciar o sono dele. Não hoje. Até porque está com a expressão que lhe mais gosto de ver. A expressão de puro descanso. O meu gato é lindo. O outro também era. Que esse descanse em paz e que este tenha paz no descanso.
sábado
O Gato
Desta vez, não o meu gato. Um gato de rua, da minha rua, com que me cruzei, talvez, uma mão cheia de vezes, não muitas. De pêlo castanho acizentado. Bonito. Muito calmo e simpático, nunca fugiu quando me aproximei dele, ao contrário da esmagadora maioria dos gatos. A penúltima vez que me cruzei com ele foi esta manhã. Estava deitado nos degraus de uma escada de acesso ao prédio onde moro. Estranhei vê-lo ali, tão sujo e - acima de tudo - com uma expressão de cansaço que nunca lhe tinha visto. Esboçou um tímido movimento de fuga, por causa do susto de me ter visto de repente, mas não saiu do sítio. A minha pressa para chegar a horas ao trabalho fez-me deixá-lo ali, no degrau, de onde não se moveu. Fiquei com a nítida sensação de que seria a última vez que o veria, embora esperasse que assim não fosse. Não foi, de facto. Mas...! A última vez, na verdade, foi há poucos momentos, quando regressei a casa, depois do trabalho. Tarde de mais. O gato de rua, da minha rua, com que me cruzei, talvez, uma mão cheia de vezes, não muitas, morreu. Não no degrau onde o vi às primeiras horas da manhã, mas poucos metros mais acima. A mesma expressão de cansaço. Nem uma ferida, nada de sangue. Creio ter sido envenenado. Que crueldade... Sei (sinto) que podia ter feito mais esta manhã. Mas...! Não fiz. Já não posso voltar atrás. Nem um último conforto lhe pude dar, já que, quando estacionei o carro, um vizinho meu pegou no animal e levou-o para longe do passeio onde ficou. Doeu-me a alma como já não doía há muito. Não posso e não pude fazer nada pelo gato da minha rua. Fiz, faço e vou fazer, então, pelo meu gato de casa. Estou muito pouco tempo com ele. Tenho de sair de novo daqui a pouco. Mas não sem antes "perder tempo" com ele. Veio deitar-se, pachorrento, em cima das minhas pernas, enquanto escrevo este texto. Parece que adivinha... Preciso de comer qualquer coisa. Mas vou deixá-lo estar aqui mais um bocado. Como mais daqui a pouco. Não vou negligenciar o sono dele. Não hoje. Até porque está com a expressão que lhe mais gosto de ver. A expressão de puro descanso. O meu gato é lindo. O outro também era. Que esse descanse em paz e que este tenha paz no descanso.
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1 comentário:
E é tão simples dar-mos um bocadinho mais atenção ao que realmente vale a pena!
[parece que foi de propósito, mas dirige-te ao meu fiufiufiu]
beijinhos
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