Escrevo este texto na presença de Rosa, a minha avó, mesmo que ela não esteja a ver que letras aparecem no ecrã deste monitor. Está sentada num cadeirão muito almofadado, com um ar algo.. perdido. Rosa, 84 anos, uma vida cheia de agruras, de trabalho, de privações, de um casamento algo infeliz, talvez. Uma vida inteira a cavar terra para ela e para outros, os tais que até há bem pouco tempo lhe batiam à porta para ir ajudar na apanha da batata, na vindima e mais sei lá no quê. Tudo coisas que fez em miúda e em graúda. Aprendi a ver como normais as conversas sobre as idas para o Ribatejo para trabalhar, com o meu pai, com as minhas tias, com outras pessoas da terra e de outras terras também. A fazer lembrar que eram injustamente duros os tempos chamados do "Antigamente". Histórias de uma sardinha partilhada pelo pais primeiro, pela mãe (ela, Rosa) e pelos filhos depois... Agora não gosta da vida dela. Está velha. Confirma-se... 84 anos são velhice na certa. É certo que é aborrecido já não poder andar como dantes, cavar como dantes, estar em casa própria como dantes. O Lar da 3ª Idade não lhe agrada, não tem borralho para se aquecer com "aquele" cheiro a fumo; lá não tem as "amigas" - de língua muito afiada - da aldeia (isso talvez até nem seja mau de todo... digo eu... mas ela decerto não concorda); lá sente-se velha, mais velha do que é. Contra isso não posso fazer nada. Gostava de a poder "trazer" de novo para casa, pagar a alguém que a acompanhasse... mas não posso. Dou-lhe beijos, abraços, brico com ela, "puxo" por um sorriso que nem sempre é fácil de "sacar". Mais não posso. Estou com ela agora. Está estranhamente calada para uma tarde/noite de Consoada. Fala finalmente para tentar saber as novidades trágicas da terra, para saber quem morreu nos últimos tempos nas redondezas. Enfim... É a única avó que me resta. Na verdade será dela a imagem de todos os meus avós que levarei pelo percurso da minha vida. Rosa, pequena grande mulher, das mãos gastas, cansadas mas ainda bem que não trémulas. Mão macias que gosto de sentir na minha cara, quando também eu passo a minha mão na cara dela.
domingo
Avó
Escrevo este texto na presença de Rosa, a minha avó, mesmo que ela não esteja a ver que letras aparecem no ecrã deste monitor. Está sentada num cadeirão muito almofadado, com um ar algo.. perdido. Rosa, 84 anos, uma vida cheia de agruras, de trabalho, de privações, de um casamento algo infeliz, talvez. Uma vida inteira a cavar terra para ela e para outros, os tais que até há bem pouco tempo lhe batiam à porta para ir ajudar na apanha da batata, na vindima e mais sei lá no quê. Tudo coisas que fez em miúda e em graúda. Aprendi a ver como normais as conversas sobre as idas para o Ribatejo para trabalhar, com o meu pai, com as minhas tias, com outras pessoas da terra e de outras terras também. A fazer lembrar que eram injustamente duros os tempos chamados do "Antigamente". Histórias de uma sardinha partilhada pelo pais primeiro, pela mãe (ela, Rosa) e pelos filhos depois... Agora não gosta da vida dela. Está velha. Confirma-se... 84 anos são velhice na certa. É certo que é aborrecido já não poder andar como dantes, cavar como dantes, estar em casa própria como dantes. O Lar da 3ª Idade não lhe agrada, não tem borralho para se aquecer com "aquele" cheiro a fumo; lá não tem as "amigas" - de língua muito afiada - da aldeia (isso talvez até nem seja mau de todo... digo eu... mas ela decerto não concorda); lá sente-se velha, mais velha do que é. Contra isso não posso fazer nada. Gostava de a poder "trazer" de novo para casa, pagar a alguém que a acompanhasse... mas não posso. Dou-lhe beijos, abraços, brico com ela, "puxo" por um sorriso que nem sempre é fácil de "sacar". Mais não posso. Estou com ela agora. Está estranhamente calada para uma tarde/noite de Consoada. Fala finalmente para tentar saber as novidades trágicas da terra, para saber quem morreu nos últimos tempos nas redondezas. Enfim... É a única avó que me resta. Na verdade será dela a imagem de todos os meus avós que levarei pelo percurso da minha vida. Rosa, pequena grande mulher, das mãos gastas, cansadas mas ainda bem que não trémulas. Mão macias que gosto de sentir na minha cara, quando também eu passo a minha mão na cara dela.
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1 comentário:
Esta é uma bonita homenagem à Avó e à mulher.Mesmo que ela não visse ou soubesse o que era que escrevias, ofereceste-lhe um valioso presente de Natal.
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